Enquanto a Bahia é o quinto maior estado territorial do país, Sergipe segura a lanterninha no mesmo quesito: é o menor do Brasil. Para efeitos de comparação, basta dizer que cabem aproximadamente 25 estados de Sergipe dentro da Bahia. A diferença territorial entre os dois é absurda e, reparem só, está longe de ser um mero acaso.
Há uma relação direta de causa e efeito no gigantismo de um e no encolhimento do outro. Trocando em miúdos, a Bahia roubou terras do seu vizinho, modelando seu mapa, expandindo suas divisas e redesenhando seu próprio território, do Brasil Colônia até o começo do século 20.
O grande responsável por legitimar a usurpação cirúrgica final foi o médico baiano Braz Hermenegildo do Amaral, que se destacou mesmo na área da pesquisa histórica.
Amaral foi deputado federal por três legislaturas e ajudou a fundar duas importantes entidades da intelectualidade do estado: a Academia de Letras da Bahia (ALB), ocupando a cadeira de número 4, e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).
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A razão da Bahia ser tão grande e Sergipe tão pequeno: roubamos as terras na cara dura
O saque territorial acontece desde o Brasil Colônia, mas o golpe final foi já no século 20, em uma manobra envolvendo o médico Braz do Amaral e o governador JJ Seabra
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André Uzeda
Publicado em 3 de novembro de 2024 às 05:00
Mapa de Sergipe, de 1919, elaborado por Ávila de Lima
Mapa de Sergipe, de 1919, elaborado por Ávila de Lima Crédito: Reprodução
Enquanto a Bahia é o quinto maior estado territorial do país, Sergipe segura a lanterninha no mesmo quesito: é o menor do Brasil. Para efeitos de comparação, basta dizer que cabem aproximadamente 25 estados de Sergipe dentro da Bahia. A diferença territorial entre os dois é absurda e, reparem só, está longe de ser um mero acaso.
Há uma relação direta de causa e efeito no gigantismo de um e no encolhimento do outro. Trocando em miúdos, a Bahia roubou terras do seu vizinho, modelando seu mapa, expandindo suas divisas e redesenhando seu próprio território, do Brasil Colônia até o começo do século 20.
O grande responsável por legitimar a usurpação cirúrgica final foi o médico baiano Braz Hermenegildo do Amaral, que se destacou mesmo na área da pesquisa histórica.
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Amaral foi deputado federal por três legislaturas e ajudou a fundar duas importantes entidades da intelectualidade do estado: a Academia de Letras da Bahia (ALB), ocupando a cadeira de número 4, e o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB).
A convite do então governador JJ Seabra, que estreou no cargo em 1912, Braz do Amaral topou iniciar uma série de pesquisas para definir as novas divisas da Bahia – tanto ao norte, em áreas delimitadas com Sergipe, Alagoas e Pernambuco, quanto no extremo sul, na separação com o Espírito Santo.
Aqui cabe explicar um contexto importante da época. Com a proclamação da República, em 1889, o que antes eram províncias foram transformadas em estados, seguindo a lógica federalista adotada pelos Estados Unidos, que já despontava como uma nação próspera naquele período. Cada estado passou a ter sua própria bandeira, brasão de armas e Constituição estadual.
Ao se tornar governador, JJ Seabra, que hoje dá nome à Avenida da Baixa dos Sapateiros, iniciou uma ofensiva para tornar a Bahia um espaço de maior relevância no Brasil, tanto em extensão, quanto em importância política.
O governo do estado, então, passa a financiar longas viagens de Braz do Amaral ao Rio de Janeiro e também a Portugal. Nelas, ele encontrou inúmeros documentos para legitimar as novas fronteiras que a Bahia pleiteava – e que são apresentadas, anos depois, na Conferência de Limites Interestaduais, convocada pelo então presidente Epitácio Pessoa, em 1920.
Entre o material encontrado estavam 29 cartas escritas pelo português e professor de grego de Salvador Luís Santos Vilhena, cujo conteúdo guarda narrações sobre o cotidiano da cidade e detalhes da extensão territorial da Bahia.
Com esta carta de super trunfo na mão, Amaral arranca aproximadamente 17 mil quilômetros quadrados de Sergipe, que passou a, insistentemente, pedir o VAR para rever o impedimento da jogada.
No comando do Brasil após a Revolução de 1930, Getúlio Vargas chegou a se mostrar sensível à causa, mas desistiu do pleito para não desagradar o então interventor da Bahia, Juraci Magalhães. Na década de 1980, houve uma nova tentativa de reabrir a discussão, sufocada pelo lobby político.
Sergipe já foi mesmo da Bahia
De fato, na primeira divisão do Brasil Colônia, o território que hoje pertence a Sergipe foi mesmo área da capitania da Bahia de Todos os Santos, doada a Francisco Pereira Coutinho.
Em 1590, no período em que Espanha e Portugal foram regidos pelo mesmo monarca, Filipe II, foi estabelecida a província de Sergipe Del-Rey, com mais que o dobro do território que possui atualmente.
Ao longo dos anos, a província voltou a pertencer à Bahia, que também lhe tomou diversas terras, reduzindo seu tamanho original. Somente em 1820, enquanto vivia em solo brasileiro, que o rei Dom João VI assinou um decreto separando definitivamente as duas províncias.
Em 1855, a capital sergipana deixou de ser a histórica São Cristóvão e foi transferida para o povoado de Santo Antônio de Aracaju, planejada para ocupar a faixa litorânea do território.
Até os dias de hoje, os baianos insistem na infame piada de chamar Sergipe de quintal de casa, além de fazer chacota sobre a diminuta extensão do estado vizinho. Mas, ironicamente, é a Bahia quem deve explicações sobre o seu real tamanho.
Essa coluna é dedicada à banda Calcinha Preta, contratada para tocar em várias festas na Bahia, com resposta histórica dos sergipanos pela usurpação territorial.