O câncer já é a principal causa de morte em algumas regiões do Brasil, ultrapassando pela primeira vez os índices de mortalidade de doenças cardiovasculares. É o que revela uma pesquisa publicada na revista científica The Lancet Regional Health – Americas. O estudo, que analisou dados de 5.570 municípios entre 2000 e 2019, constatou uma queda de 29% nas mortes por doenças cardiovasculares e um aumento de 9% nas mortes por câncer no mesmo período.
A redução das mortes por doenças cardiovasculares ocorreu em 25 dos 27 estados brasileiros. Em contrapartida, as taxas de mortalidade por câncer subiram em 15 estados, tornando-se a principal causa de morte em mais de 700 cidades, com destaque para Paraíba, Tocantins, Piauí e Maranhão. O percentual de municípios onde o câncer se tornou a principal causa de morte aumentou de 7% para 13% ao longo das duas décadas analisadas.
A Dra. Maria Paula Curado, epidemiologista do A.C.Camargo Cancer Center e coautora do estudo, destaca a importância dos avanços no combate às doenças cardiovasculares, mas alerta para os desafios impostos pelo câncer no país: “O progresso na prevenção e tratamento de doenças cardiovasculares nos últimos anos, sem dúvida, impactou na redução das mortes. No entanto, o câncer, com suas mais de cem variações e causas multifatoriais, exige medidas mais complexas e abrangentes. Alguns tipos são mais simples de prevenir, outros mais difíceis de tratar. Por isso, precisamos aumentar os níveis de conscientização, quebrar o estigma que ainda paira sobre a doença e ampliar o acesso aos exames preventivos e diagnósticos.”
A pesquisa também levanta questões sobre desafios sociais e geográficos. Embora a queda nas mortes por doenças cardiovasculares tenha sido generalizada, o aumento das mortes por câncer foi mais expressivo nas regiões Norte e Nordeste do país, áreas que, segundo a especialista, têm menor acesso à prevenção, diagnóstico e tratamentos oncológicos. O estudo aponta que essas disparidades são especialmente evidentes na mortalidade prematura (pessoas entre 30 e 69 anos), na qual a morte não está relacionada ao envelhecimento.
Os dados mostram que o Sul e o Sudeste concentram 80% das cidades onde o câncer já lidera como causa de óbitos. A especialista destaca que fatores como o índice de notificações de casos de câncer, o envelhecimento populacional e hábitos não saudáveis, como tabagismo, sedentarismo e exposição inadequada ao sol, contribuem para esse cenário alarmante. “Vale ressaltar que 40% dos tipos de câncer podem ser evitados com a adoção de um estilo de vida mais saudável e consciente. Além disso, o diagnóstico precoce pode aumentar as taxas de sobrevida em mais de 80%”, reforça a epidemiologista.