Quem nunca recebeu uma ligação de poucos segundos que cai antes mesmo de ser atendida? Essas chamadas, conhecidas como robocalls ou "metralhadoras", são feitas por sistemas automatizados que disparam milhões de ligações curtas por todo o Brasil — muitas vezes sem autorização e com risco de golpes.
De acordo com a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), cerca de 20 bilhões de ligações são feitas mensalmente no país, e metade delas é disparada por robôs.
Durante um mês de investigação, o programa Fantástico revelou como as robocalls são utilizadas não apenas para vender serviços e validar dados de consumidores, mas também para aplicar fraudes.
Como funcionam as robocalls?
As ligações de curta duração servem como uma espécie de "prova de vida": ao atender, a linha é confirmada como ativa e pertencente a uma pessoa real, tornando-a um alvo potencial para ofertas ou golpes.
A reportagem criou um negócio fictício e entrou em contato com empresas especializadas nesse tipo de serviço. Um dos representantes chegou a oferecer uma lista atualizada com até 150 mil registros — contendo nomes, e-mails, endereços, profissões e telefones — tudo sem o consentimento dos titulares.
O psicólogo Matheus Arend, de Guaíba (RS), foi uma das vítimas de vazamento de dados e relatou se sentir "invadido". Além disso, como as ligações geralmente partem de números virtuais inexistentes, ao tentar retornar, o consumidor recebe a informação de que o número é inválido.
Para o telemarketing, o sistema é vantajoso: evita o desperdício de tempo dos atendentes, que passam a atender apenas contatos considerados "válidos".
Crescimento alarmante
Entre janeiro e fevereiro deste ano, a Anatel registrou quase 24 bilhões de ligações automáticas — um crescimento de 12% em relação ao mesmo período de 2024. O volume equivale a cerca de 23 mil ligações por segundo.
A empresária Rosaura Brito, de Santo Antônio da Patrulha (RS), mesmo cadastrada no serviço "Não Me Perturbe", relata receber de 30 a 40 chamadas diárias, iniciando já às 8h da manhã.
O excesso de chamadas causa problemas graves: muitos brasileiros passaram a não atender números desconhecidos, o que prejudica, por exemplo, centrais de transplante de órgãos, que dependem do contato imediato com pacientes. Também há impactos em processos seletivos para empregos, alertam especialistas de recursos humanos.
Robocalls e o crime organizado
As quadrilhas também se aproveitam das robocalls para aplicar golpes, usando redes de internet e inteligência artificial para disparar mensagens falsas — como falsas ofertas de empréstimo.
O advogado especialista em crimes cibernéticos, José Milagre, destaca que muitas mensagens são tão realistas que dificultam a identificação da fraude. Ele alerta: "Nunca interaja com chamadas suspeitas. Jamais diga palavras como 'sim' ou 'não', pois elas podem ser gravadas e usadas contra você."
DDD falso e números aleatórios
O sistema usado pelas empresas de robocall é ainda mais sofisticado. Ele permite alterar o DDD da ligação, fazendo parecer que a chamada é local, o que aumenta a taxa de resposta. Essa prática é ilegal e pode ser enquadrada como fraude eletrônica, com pena de até oito anos de prisão.
Outro artifício é a criação de números fictícios, o que dificulta ainda mais o bloqueio pelas vítimas.
Durante a investigação, o Fantástico enviou uma lista de números para uma empresa em Minas Gerais. Em menos de dez minutos, todos os aparelhos de teste tocaram — inclusive o telefone do diretor do Procon de Porto Alegre, Wambert Di Lorenzo, que prometeu abrir investigação contra o fornecedor.
O que diz a Anatel
A Anatel afirma que tem intensificado o combate às ligações abusivas. Desde junho de 2022, a agência informa que já reduziu 222 bilhões de chamadas nas redes de telecomunicações.
Entre as novas medidas está a implementação do sistema de “origem verificada”, no qual o nome, a marca da empresa e o motivo do contato aparecerão na tela do celular antes do consumidor atender.
Já a Associação Brasileira de Telesserviços declarou, em nota, que suas associadas utilizam apenas dados fornecidos legalmente pelos clientes, não compram listas de dados e trabalham para evitar chamadas insistentes ou mudas.